domingo, 23 de dezembro de 2012

O PAÍS DA PASTA DE DENTES


Época de festas, de troca de presentes, gentilezas...

Lembranças...

Eu era pequeno e junto com minha irmã ouvia poucas e nem sempre boas histórias sobre o passado de meu pai.

Ele era um sujeito não muito calmo, caladão, mas gente boa. Severo com as regras que nos fazia cumprir, muitas vezes apenas com o olhar. Por ser ideologicamente machista, principalmente ela. Tivemos momentos; uns em que nos dávamos muito bem, outros nem tanto. Normal, pois éramos de gerações de extremos. Ele gostava de música brasileira tipo pré Bossa Nova (Lamartine Babo, Carmem Miranda, etc.) e Erudita, principalmente Beethoven e eu também, da Erudita, mas o rock era minha segunda lei. Acho que não preciso falar mais nada.


Eram poucas as histórias que ele contava e muitas retratavam situações de sofrimento, angústias e tudo o mais, inerente a uma vida de dificuldades. Relatavam a dureza que era ser filho de um imigrante austríaco que a bebida tornara agressivo além do tolerável. Mesmo para aquela época.

Não devia ser nada agradável para meu pai contá-las. Às vezes, mesmo gostando, me perguntava o motivo de ele querer fazê-lo. Mas a curiosidade de conhecer meu passado falava mais alto.

Segundo essas histórias, meu avô fora filho de um marceneiro italiano contratado para um serviço na Áustria. Imigrante, fugido da guerra era um anarquista que desembarcou em São Paulo ainda menino.

Teve um casal de filhos do primeiro casamento cuja esposa pouco durou. Casou-se pela segunda vez e ganhou um enteado.

Trabalhava em uma fábrica de tintas. Bom profissional, químico, cuja grande parte do bom salário era gasto com jogos e bebidas.

Mulheres?

Não sei, mas a história mostra que cartas e bebidas não andam sós.

Meu avô não era diferente de ninguém com essas características. Provavelmente, a dificuldade com nossa língua ajudava seu comportamento e quando chegava em casa, se via algo que não gostava soltava toda sua ira em forma de chineladas. Só não batia na filha. Mas ao normalizar-se transformava-se em um bom pai.

Na infância meu pai foi engraxate, com aquela caixinha de madeira e tudo...


... e vendedor de amendoins com a tradicional latinha. Os poucos trocados que fazia com esses trabalhos eram entregues a mãe até os doze anos, quando ela faleceu. Depois disso, a história se perde até ...


... a mocidade com meu avô já falecido e ainda em São Paulo, meu pai estudou em uma Escola Técnica e trabalhou em algum tipo de oficina que não me recordo. Nesta oficina ele conheceu e conquistou um amigo cujo nome ostento em homenagem.

Era uma atividade que ele gostava muito e quando criança o acompanhava na desmontagem e limpeza do carburador; troca de velas, bobina, rotor e platinado; troca de óleo e limpeza do respectivo filtro, troca do filtro de ar; finalizando com uma lavagem de carroceria e interior de seus inúmeros fuscas.

Para quem não sabe, carburador, platinado, rotor e bobina são peças que foram substituídas pela Injeção Eletrônica.


Religioso, mas não frequentava a igreja. Todos os dias o via, às 18:00 horas, encher um copo com água e acompanhar o locutor do rádio rezar a Ave Maria para depois beber a água.


Não lembro quantas, se muitas ou não, mas passávamos manhãs ou tardes ouvindo músicas em sua vitrola em forma de móvel. Ouvíamos as suas músicas nos LPs (long plays), enquanto brincávamos com as capas admirando as fotos dos cantores e cantoras da época. Ainda lembro de algumas letras e músicas.


Outras manhãs e tardes, passeávamos pelos parques da cidade. O Parque Laje no Jardim Botânico, O Parque da Cidade na Gávea, O Jardim Botânico, etc. O Aterro do Flamengo era o mais visitado pela beleza dos jardins projetados por Burle Marx entre os quais várias atividades eram promovidas alegrando a criançada da época. O local preferido era o museu construído em homenagem aos mortos da 2ª Guerra Mundial.

Preferido quando criança e predileto hoje, como arquiteto. Sim meus caros e escassos leitores, ainda hoje tenho essa construção como a mais bonita da cidade.

Atarantem, não é projeto do Niemeyer e sim de dois não tão conhecidos arquitetos; Hélio Ribas Marinho e Marcos Konder Netto.

Quase sempre havia um carro de combate para ser visitado. Batalhas homéricas eram vividas em nossas pequenas e férteis mentes e corpos repletos de energia, ainda libertos da informática.


Mas havia outras atrações como ver os praticantes de aeromodelismo com seus aviõezinhos à motor que só voavam em círculos por estarem amarrados à cabos.

Ainda não havia controle remoto.

Ou o avião da “extinta” Varig que tinha um espaço especialmente reservado. Tínhamos acesso ao interior, inclusive a cabine de comando. Não foram poucos os pilotos ali formados. Eu era um deles.


Ou íamos, nesse caso apenas eu e ele ao Maracanã ver os jogos do Mais Querido. Eram tardes memoráveis ver, ouvir e participar daquela imensa torcida em êxtase. Com certeza não foi o período mais fértil da História do Clube de Regatas Flamengo, mas foi nesta época que me reconheci Rubro Negro desde pequenino. E desde então vivi os maiores feitos desta ilustre agremiação esportiva. Conquistas que fizeram seus torcedores os mais conscientes do planeta e os mais numerosos também. Somos hoje aproximadamente 45 milhões, intitulados A Nação.


Muito educado e solícito com o semelhante; era cumprimentado por muitos que cruzavam nosso caminho nas andanças pelas ruas de Botafogo.

Os Natais eram, muitas vezes, passados em São Paulo na casa de sua irmã, madrinha da minha. Era divertido.

Depois seguíamos em nosso Fusca pelas estradas em construção, para visitar parentes pelo Brasil adentro. Brasília, Recife, Fortaleza entre outras ainda jovens desse imenso país

Muito metódico e organizado. Lembro-me que antes de sair para o trabalho, ele abria sua agenda e em um papel específico, anotava as atividades do dia.

Ele tinha uma letra magnífica. Vê-lo preencher um cheque me deixava maravilhado e ao mesmo tempo com inveja, pois minha letra era horrorosa que o tempo não ajudou a melhorar, ao contrário. Eram muitos segundos gastos nessa tarefa.

Sua assinatura era magistral. Desenhava-a com esmero e alguns outros segundos eram muito bem investidos nela. Ao final do preenchimento o cheque transformava-se em uma obra de arte cujo valor, sem duvida nenhuma, suplantava seu conteúdo.

Com certeza o conjunto dessas experiências o fez naturalmente solidário, mas sempre severo quando necessário.

Isso foi uma contribuição que com o tempo, já formado e produzindo, me tornou crítico e muito exigente, principalmente comigo mesmo. Grande parte do que vivi ao seu lado me fez dar valor ao próximo principalmente no que se refere a definir limites de espaço e tempo.

Não tenho dúvidas que se origina daí minha aversão aos políticos, aos espertos e demais similares. Essa gente imunda e rasteira a quem educadamente apodo de CORJA e que chamar de FILHOS DAS PUTAS ainda não seria suficiente.

Meu pai tinha suas manias, devido as privações passadas na infância e juventude, mesmo já estando livre de tais problemas, tinha muitas atitudes visando economia.

Os gastos da casa eram controlados, mas nada nos faltava. Não havia muitos supérfluos, ele alegava a saúde para evitar refrigerantes, biscoitos e afins. Mas tínhamos bolo, frutas a rodo além das comidas deliciosas feitas pelas mãos de fada de Marinha. Semanalmente, se não me engano, pipoca e quando um pouco mais velho íamos a uma pizzaria.

O resto do sabonete era anexado ao novo sem cerimônia e a pasta de dentes aproveitada até a última “gota”.

Contemporâneos que não me deixarão mentir. A pasta de dentes tinha consistência. Signal, Colgate, Philipps, Kolynos, entre outras sem muitas varações. A moda eram as de listras com propriedades de limpeza únicas. Todas deixavam seu sorriso branco e seu hálito com o gosto da vitória.

Não havia as Sencitiv Pro Alívio, as Pro Esmalte, Luminous White, Pro Saúde, Complete, Total 12 e toda a sorte de nomes criados simplesmente com o único intuito de enganar o consumidor incauto.

Claro que melhorias foram conquistadas não é possível, seria muita cara de pau dos fabricantes, mas no país dos espertos, há enganação.

Lembro-me que há poucos anos um caso da indústria de produtos de higiene teve notoriedade no país.

Não sei se verídico, mas rege a lenda que aconteceu em uma reunião com a presença da liderança de uma das grandes do setor e o objetivo do evento era aumentar as vendas de certa pasta de dentes.

As discussões estavam em seu ápice quando um jovem “Trainee” interrompeu:

"Porque não aumentamos a boca da embalagem?"

Após alguns segundos foi ovacionado, em poucos dias promovido e em algumas semanas nós, os incautos clientes, sem perceber a tramoia, consumíamos mais enquanto iniciava-se um processo sem fim de criatividade safada visando o aumento do consumo baseado no desperdício.

A lei, coitada, tentou acompanhar, mas a capacidade “burlatória” de nosso DNA é insuperável.

O mesmo produto mudou de nome, mudou de cor a embalagem, mudou o tamanho do recipiente, mudou de cor o produto, mudou o design, mudou, mudou, mudou ...

Mudaram os preços, lógico.

Foram criadas muitas variações e o incauto consumidor se sentiu agradecido pela quantidade de opções que recebia para exercer sua capacidade de compra.


Diferente de antes, quando ficava na escova até secar e endurecer, hoje, a pasta de dentes perde sua consistência em segundos. Derrete como mel por entre as cerdas da escova te obrigando a colocar mais e mais e mais ...


Em plena era da busca por sustentabilidade, quando ações ecologicamente corretas são cobradas a você, nos diversos meios de comunicação sob o frágil véu das campanhas e reportagens em prol do bem estar e cura de nosso planeta a indústria que se diz politica, social e ecologicamente correta em suas ações de efeitos paliativos; são os verdadeiros vilões assassinos deste, como sempre foram.

FELIZ NATAL!

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