sábado, 1 de dezembro de 2012

4º CAPÍTULO – O JULGAMENTO


A sala de audiências estava repleta. Eram parentes das vítimas, membros de associações diversas, curiosos que com muito custo obtiveram autorização para estarem ali. Jornalistas e guardas para manter a ordem.

A revolta do povo era grande foram vinte e três assassinatos antes de a polícia conseguir prender o suspeito. Eram jovens mulheres entre vinte e cinco e trinta anos todas mortas após serem abusadas sexualmente de forma brutal.

O assassino não tinha distinção de lugar, raça, religião ou classe social e maneira de executar suas vítimas, isso dificultou as investigações e prendê-lo foi uma questão de sorte.

Com exceção de as vítimas serem mulheres, a única coincidência era a forma de se livrar dos corpos. Ele as esquartejava e enterrava os pedaços em pequenas covas espalhadas pelos jardins da cidade.

Sentado vestindo roupas de presidiário com listras horizontais laranjas e pretas, com as mãos algemadas e os pés acorrentados a um ponto chumbado no chão. Sua cabeça, com exceção quando bebia água, permanecera abaixada durante todos os cinco dias anteriores e assim continuou neste último e decisivo dia.

Com aproximadamente um metro e oitenta e cinco centímetros, era forte, corpo atlético, porém, com uma ligeira barriga fruto dos quarenta e cinco anos vividos, segundo sua ficha, na mais perfeita ordem. Trabalhava na área administrativa de uma multinacional, tinha uma vida social regrada, sem nada que indicasse ser a pessoa que cometera tamanhas atrocidades. Seus amigos ao tomarem conhecimento dos fatos ficaram perplexos, já que não havia nele indícios de ser uma pessoa fora dos padrões e estavam presente.

Aquela fora uma dependência muito importante na recente história do país. Por aquela imponente sala havia passado a maioria dos corruptos, bandidos, estelionatários, e demais membros da corja que governara nos anos chamados negros da história. Todos foram julgados, condenados e agora prestam serviços diversos nos presídios espalhados pelo território nacional. Seus bens foram confiscados, transformados em escolas, postos de saúde, hospitais ou foram leiloados e o valor obtido, investido na transformação do país.


Bastante amplo, o acesso se fazia por uma pesada porta dupla trabalhada em madeira maciça onde a figura da Justiça segurava a balança e a espada nas mãos e tinha seus olhos bem abertos na busca daqueles que não a respeitassem. Abertas as portas havia uma circulação central ladeada por treze fileiras de confortáveis cadeiras onde ficava o público, familiares da vitima e do réu. As paredes eram forradas de madeira clara. Muito bem iluminada, tinha ao fundo a grande bancada do juiz em um nível acima dos demais, atrás da qual a única parede branca, sem o revestimento de madeira. A sua direita, de frente para a plateia a cadeira do réu; o balcão dos jurados ficava à esquerda, à direita do réu ficavam os técnicos responsáveis pelas análises das evidências e a sua frente a mesa da taquigrafa. Entre a plateia e o balcão do juiz estavam duas grandes mesas separadas pela circulação, onde ficavam os advogados sendo que os da defesa à esquerda. Exatamente três metros e meio separavam essas mesas da bancada do Juiz.

Era nesse espaço que os advogados apresentavam suas alegações com eloquência.

A mesa do juiz aguardava sua excelência, os treze jurados já estavam em seus lugares assim como a taquígrafa, os advogados de acusação e defesa com respectivos auxiliares e membros da equipe de técnicos e policiais que investigou o caso.

Os presentes estavam apreensivos e ávidos pelo fim dos trabalhos daquele dia. Havia sido cinco dias de uma bela batalha jurídica. A defesa trabalhara muito bem com suas testemunhas bem como com as da acusação e esta apresentou as provas de forma contundente utilizando-se de testemunhos técnicos teoricamente irrefutáveis.

Todos haviam estado ali durante todo o julgamento com apenas duas exceções.

A ausência da advogada de acusação Dra. Joana Speller estava sendo sentida por todos. Havia se tornado bastante conhecida pelo caso em questão e vinha sendo muito bem quista devido a forma como vinha fazendo o seu trabalho.

Era uma profissional serena, sensata, porém bastante enfática nos seus discursos e observações. Utilizava como ninguém as provas técnicas, os depoimentos bem como de seus apartes às falas da defesa.

Os sócios do escritório estavam apreensivos com essa ausência e pelo fato de terem tido que nomear como substituta a Dra. Helena Muller, advogada auxiliar da Dra. Joana, portanto única, da equipe da Dra. apta a substituí-la no caso; já que o Dr. Olavo Negreiro, o outro advogado da mesma equipe, estava tecnicamente impedido de fazê-lo.

A belíssima morena de olhos negros e corpo escultural mostrava-se tranquila. Vestia um discreto taier cinza chumbo, uma blusa cinza claro, meias pretas assim como os sapatos salto dez. A maquiagem e o perfume eram pouco notados, porém, não se podia dizer o mesmo do belo colar de pérolas que adornava seu lindo pescoço.

A presença de Mood era a outra exceção.

O dia estava ensolarado, mas não o suficiente para aquecer a cidade. Era uma das manhãs mais frias daquele outono e muitos vestiam casacos, alguns usavam luvas.

Helena parecia não estar abalada pelo ocorrido e se mantinha calma como se já tivesse passado por aquela experiência antes. Trocava algumas informações com os de sua equipe, mas não discutia a estratégia que iria seguir na defesa dos agora seus clientes. Sua equipe insistia em fazê-la seguir a estratégia traçada pela Dra. Joana e Helena ouvia as argumentações sem mostrar sua decisão. Ela sabia o que estava fazendo.

A entrada do Juiz, reforçada com o bater do martelo, silenciou os presentes. Após o tradicional burburinho de pessoas se aprumando em seus lugares e as devidas apresentações, foi feito um breve relato dos cinco últimos dias.

Terminado o relato, foi dado espaço para o que, pelo desempenho de ambos durante todo o julgamento, se esperava ser o show dos advogados

Com o tom de voz grave e alto o suficiente para que todos tivessem acesso a suas palavras, o da defesa iniciou seu longo discurso enumerando quase que uma a uma as testemunhas de ambas as partes. Muitas vezes se utilizando dos braços e as vezes do corpo em movimentos sincronizados, ele citou possíveis contradições e coincidências. Recorreu a casos anteriores como possíveis jurisprudências ao caso em questão e ainda se utilizou de algumas provas técnicas para só então, após exatos cento e treze minutos e seis copos de água, finalizar alegando o réu inocente e, fitando os jurados um a um, pediu sua absolvição.

Após as três fortes batidas do martelo de madeira na bancada mais alta, para calar os comentários do público que mostrava toda sua indignação, foram sessenta e sete segundos de silêncio. Quebrado apenas pelo barulho do virar de folhas provocado pela Dra. Helena, em uma última olhada em suas anotações.

Ela bebeu um gole de água, se levantou, ajeitou a toga que charmosamente pendia para a direita e iniciou seu breve e brilhante discurso.

Fitando um a um cada jurado e algumas vezes a plateia ela falou brevemente dos testemunhos. Contudo, relembrou detalhadamente cada uma das provas técnicas. Mirou os policiais e técnicos muitas vezes e ao fazê-lo, com uma expressão serena, mostrava em suas palavras o quanto seu trabalho tinha sido importante na elucidação do caso.

Quando citava o réu o fazia fitando-o com ar de censura, mas sem ódio. E, após aproximadamente setenta minutos e quatro copos de água, finalizou dizendo que não poderia haver dúvida da culpa do réu e solicitou a pena de morte.

A plateia só se conteve após mais quatro batidas de martelo. Mais alguns segundos de silêncio e o juiz determinou que os jurados se recolhessem para deliberar e retornar com o veredito.

O barulho de cadeiras sendo arrastadas e os comentários dos presentes foi a música que tomou conta do ambiente durante as duas horas e dezoito minutos que os jurados levaram para se decidir.

A música sessou enquanto o juiz recebia o veredito e o transmitia a plateia ansiosa pelo resultado.

O volume da música tornou-se ensurdecedor com os gritos e palmas dos presentes assim como os calorosos abraços e cumprimentos ao advogado “vencedor”.

A única vez que o réu levantou a cabeça foi para ouvir o que os jurados haviam decidido.

A condenação à pena de morte por enforcamento era o motivo para tanta festa.

Dois enormes policiais o levantaram e o levaram para dentro de uma sala com destino a prisão municipal.


A equipe estava aliviada e surpresa pelo fato da Dra. Helena ter mantido a estratégia desenhada pela falecida Dra. Joana.

Sem esboçar reação, a não ser um breve sorriso, ela recebeu o convite para uma reunião, no dia seguinte, para seus patrões definirem seu futuro no escritório.

Dra. Helena, apesar da vitória, mantinha-se serena e pensativa. Ela seria a próxima a ser ouvida por Mood.

Ele a cumprimentou parabenizando-a pela brilhante atuação e se despediu admirando seus olhos negros.

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