terça-feira, 20 de novembro de 2012

OLIVÁCEO



Tec, tec, tec, tec...
Tec, tec, tec, tec...
Tec, tec, tec, tec...

PUTA QUE PARIU! QUE PORRA É ESSA?

Tec, tec, tec, tec...
Tec, tec, tec, tec...

Não há outras palavras, por mais educado que você seja para proferir quando às 3:28 h da madrugada você é acordado por esse som penetrando fundo em seu cérebro.

Tec, tec, tec, tec...
Tec, tec, tec, tec...
Tec, tec, tec, tec...

Ele, o encéfalo, estava lá, inebriado por sonhos e devaneios, regidos pelo pacato e tranquilo ronronar do aparelho de refrigeração do ar.

Tec, tec, tec, tec...
Tec, tec, tec, tec...

Eram mesmo 3:28 h e de domingo. Sacanagem maior só ... nem sei.

Tec, tec, tec, tec...

Travesseiro na cabeça, coberta cobre o travesseiro e nada. Ler, nem pensar, restou pegar o celular e iniciar mais uma paciência. Cartas são uma das minhas maiores diversões, depois das motos.

Consegui pegar no sono quando o dia dava seu primeiro bocejo de despertar. Já não se ouvia mais o tec, tec.

Mas a claridade foi a sacana da vez, permitindo apenas minutos a mais de sono. Porém, ela tem direito. Estar presente não é nenhuma surpresa. As vezes bem vinda, outras não; mais reluzente ou menos, mas ela está lá, pontualmente a cada 24 horas.

Haverá o dia em que ela se atrasará e, quando esse dia chegar, pode ter certeza que no dia seguinte ela faltará ao compromisso. Mas isto é outra história.

E estavam sendo assim minhas últimas madrugadas, tentei algumas soluções antes de me dar por vencido e se me dei por vencido é lógico que não deram certo.

Muito por causa de uma tal de consciência, como verão a seguir. E foi na manhã daquele ensolarado domingo que descobri a origem daquele maldito tec, tec.

Como zumbi à frente da TV, zapeando em busca de algo que me fizesse dormir quando ouvi a gritaria. Eram as frequentes maritacas, verdinhas e travessas pelos céus do Jardim Botânico que, como velhas fofoqueiras, não paravam de maritacar.

Nem sei se esse termo existe.

A gritaria estava mais próxima que o de costume assim como os rasantes e isso, aliado a minha curiosidade me despertou a procurar um bom local de observação.

Foi quando cheguei ao terraço que percebi uma delas saindo do rufo do telhado de meu puxadinho.

Rufo: Peça em concreto armado, cerâmica (de telhas) ou chapa galvanizada. Serve para proteger da chuva a intercessão entre a telha e a alvenaria. Funciona como peça de arremate lateral dos telhados, principalmente os de telhas metálicas (o meu caso).


Senti nas veias o processo de fervura de meu A negativo quase se tornar positivo.

FILHA DA PUTA!

Maritaca é um termo popular para se referir as diversas espécies de aves da família dos psitacídeos. Dependendo da região, as maritacas são assim denominadas para as aves de médio porte, menores que os papagaios. Alguns deles:

Periquito Rico = 21 cm;

Periquito de Encontro amarelo = 23 cm;

Maitaca Verde = 25 cm;

Periquitão Maracanã = 32 cm.

Durante a pesquisa, pelo tamanho concluí que meu algoz é da espécie Periquito Rico.

O puto além de chato é rico.

“Pô cara que piadinha ridícula!”

É mesmo, mas já foi.

A coloração básica da plumagem é verde. As partes inferiores e laterais da cabeça, peito e abdômen são de um verde com tons amarelados. A parte traseira da cabeça, a nuca, é de um verde levemente azulado. A base das asas é de um marrom oliváceo. A cobertura de pluma da base das asas é de um marrom oliváceo e as penas exteriores são de um azul-violeta. O bico é amarronzado, mais claro no topo. As narinas ficam na base do bico. O anel perioftálmico é de um cinza pálido. A íris é de um marrom-escuro, com a pupila de cor negra. Os pés são de cor semelhante à do bico, porém mais escura. A cauda é longa, com penas de coloração verde-azuladas. Os exemplares imaturos são semelhantes aos adultos, mas com quase toda plumagem primária esverdeada, cauda curta e bico mais escuro.

Apesar de não fazer a menor ideia do que seja um marrom oliváceo a descrição da plumagem quase me garantiu ser esse o cara.

Gostam de frutas, coquinhos de todos os tipos e também do fruto da paineira, que perfuram e roubam as sementes nos meses de junho a agosto . Também não desprezam as flores adocicadas do suinã, flores, néctar, jerivá, mangueiras, jabuticabeiras, goiabeiras, laranjeiras e mamoeiros, e provavelmente insetos e suas larvas. Um dos belos freqüentadores dos comedouros e jardins com frutos disponíveis nas cidades.

Saber como se alimenta pouco ajudou. Minto, ajudou saber em que misturar o veneno.

Ora, deixem de ser hipócritas, eu precisava de um plano “B”.

Vive em casais, ao que se sabe permanecem unidos por toda a vida. Os consortes são assíduos em seus galanteios, arrumando mutuamente a plumagem e às vezes acariando-se enquanto permanece de ponta cabeça num galho. Constroem ninhos em cavidades de árvores ou nas bainhas foliares de palmeiras, junto ao tronco. Nos ninhos quando ouvem um ruído estranho põem meio corpo para fora, inspecionando os arredores e, se assustados, saem um depois do outro, sem emitir o menor som. Os bandos que costumam se encontrar durante o período de reprodução e sempre se compõe de indivíduos imaturos.


A expectativa de vida é de em média 20 anos e a maturidade sexual ocorre entre 1 e 2 anos. Colocam 4 ovos brancos e a incubação dura cerca de 26 dias. Deixam o ninho cinco semanas após o nascimento os filhotes.

Deduzi o que elas estavam fazendo e descobri o tempo que estaria sob os efeitos do tec, tec. Seriam 26 dias e pior, noites no perrengue.

Havia passado algumas noites mal dormidas quando, em uma delas, fui gentilmente acordado pelo tec, tec. Estava menos calmo. Subi no telhado, encontrei um pedaço de cano de pvc com aproximadamente 1,70 metros e açoitei o pobre do rufo que não se dobrou a minha ira. Mas as maritacas saíram voando pela escuridão em busca do ritmo normal em seus pequenos corações.

Se postaram no parapeito da empena do prédio vizinho e lá permaneceram enquanto me aprontava para trabalhar.

Eu sabia que seria uma questão de minutos para retomarem “seu” usucapião.

Sorte não ter em casa um rifle. Eu não ia resistir.

Restava saber se resistiria em por o plano “B” em prática.

Meus dias estavam se tornando curtos e nos encontros sócioprofissionais comentava com colegas meu fadário e muitos se posicionavam francamente em favor das aves.

Baseavam-se nos novos tempos pró ecologia. Os ridículos politicamente corretos; que só o são enquanto não são afetados pela causa dos problemas.

São os corretos de ou por conveniência, mas na hora de tomar uma atitude se escondem na futilidade de seus compromissos.

Adoram se manifestar via redes sociais, alguns incentivam tal prática afirmando ser a solução dos problemas. Esquecem-se que são apenas 6% em condições de discernir e mesmo assim se calam sob o disfarce desses artifícios.

E as noites iam passando. Poucas, ileso ninado pelos braços de generosas taças de vinho tinto, tulipas de cervejas ou copos de caipiowskas consumidos em raros eventos frequentados. Outras em batalhas que invariavelmente se iniciavam por volta das 3:00 h da madrugada. Quase todas perdidas.

Eu estava apenas defendendo o primeiro território. Napoleão teria vergonha deste pseudo general.

Em outra delas subi no telhado municiado com dois baldes cheios de água. O plano era jogar a água entre o rufo e o telhado. Não importa se com isso fosse inundar o quarto. Aliás, só pensei nisso depois tamanha a minha revolta.

Cheguei sorrateiramente e:

“CHUAAAAAAAAAAAA!

Foi água para tudo quanto é lado, menos onde necessário. Mas ao menos elas se assustaram e ficaram quietas.

O quarto estava seco.

Consegui dormir.

E foi exatamente no centésimo, décimo sétimo aniversário do Mais Querido que consegui botar em prática mais um de meus planos de reconquista.

Aguardei meu filho acordar das consequências da noite anterior (precisava de reforços) para iniciarmos a primeira fase: O Planejamento.

Explanei minha ideia, discutimos os riscos e pormenores e decidimos a estratégia.


A fase dois se resumiu em juntar o necessário. Nada complicado, jornal, fita adesiva tipo durex, mas daquelas largas que usamos para lacrar caixas em mudanças e uma dessas tiras que as atuais mochilas têm para fechar seus bolsos ou dar estrutura as alças, porém longa o suficiente para se me assustar com o vôo das aves não cair nove andares a baixo.

A fase três foi, ao chegar ao campo de batalha, rever a estratégia escolhida sob a ótica de uma análise de riscos mais rígida já que agora tínhamos total visão do cenário e condições climáticas.

A surpresa seria nossa maior aliada para fazer o inimigo alçar vôo sem dar-lhe chance de esboçar reação.

O inimigo, apesar de diminuto, era tinhoso. Merecia respeito.

O primeiro e principal objetivo era desalojá-lo de suas trincheiras e o segundo conquistar o território e finalmente impossibilitar seu retorno.

Seria necessária uma incursão estratégica a fim de conhecer as características dos acessos ao território do inimigo. Nossa sorte é que parecia ser apenas um e isso se confirmou após a retirada de parte do rufo a fim de verificar se o inimigo havia realmente abandonado seu posto e ver a situação do território após a batalha.

Confirmadas as dimensões retornei e junto com meu exército de um homem só (comigo dois) iniciamos a manufatura do que seria o elemento que impossibilitaria o retorno do inimigo após nossa retirada do campo de batalha.

Estava tudo dando certo.

Iniciamos a batalha expulsando uma das aves. Retiramos a parte do rufo como planejado e não encontramos o segundo membro do exército inimigo.


Deduzimos ser o macho que devia ter saído em busca de alimento.

Após verificarmos os danos na espuma térmica do telhado, que não eram grandes, recolocamos o rufo e partimos para a fase final que era instalar o elemento que evitaria novos acessos a trincheira.

O plano estava funcionando bem.

Uma bola de jornal envolta na fita adesiva para dar rigidez e resistência as intempéries. Foi preciso uma nova camada de jornal e fita para atingirmos o objetivo.

Em uma vistoria, mais rígida do que a primeira, em busca de possíveis outros acessos achei uma abertura lateral junto ao acesso principal. Nova bola de jornais e fita adesiva instalada e a missão estava cumprida, decretando o fim da guerra vencida por nós.

Aproveitei a reconquista do território para uma vistoria de manutenção no sistema hidráulico da casa. Sistema que havia sido mais uma das inúmeras batalhas vividas e relatadas nesse espaço de devaneios.

Foi necessário desmontar o sistema, mas estava feliz pela reconquista de noites bem dormidas, não seria esse pequeno, mas importante, serviço que iria estragar meu humor.

Descemos, banho tomado e almoço de comemoração da vitória.

TEC, TEC, TEC...

PUTA QUE PARIU! QUE PORRA É ESSA?

TEC, TEC, TEC...

Eram aproximadamente 6:10 h e eu estava atrasado para uma reunião importante.

TEC, TEC, TEC...

Barulho era mais forte que o normal o que me fez deduzir que a quem havia saído durante a batalha fora o macho e que a fêmea havia ficado escondida em algum lugar dentro do rufo. O som vinha da parte de trás do telhado o que me fez exclamar:

“PUTA QUE PARIU! O rufo tem folga atrás também e a fêmea se escondeu lá.”

“Estou pronto, se subir para ao menos tirar os bloqueios dos acessos, vou me sujar e perder a hora. Que me desculpem os protetores dos animais, mas esse animal aqui não pode fazer nada agora.”

Foi um dia péssimo. Meu desempenho foi afetado pelo sentimento, não de culpa, mas de que ela poderia não resistir a minha chegada.

Em fim, 18:00 h, estava em casa sobre o telhado retirando os bloqueios na esperança de ela ainda estar viva.

O tec, tec, subsequente foi a ponta do alívio. Faltava saber se o macho não a havia abandonado. São animais monogâmicos.

Alguém aí, nesses tempos modernos onde ninguém é de ninguém, ainda sabe o significado dessa palavra?

Foram 48 h de espera até me certificar que os dois estavam juntos.

A Guerra estava perdida. O sentimento de derrota se embaralhava com o de alívio pelo reencontro das pequenas, barulhentas, mas simpáticas aves.

Resolvi sucumbir a força da natureza.

Durante as noites seguintes, como se acordados em uma trégua assinada, nos respeitamos e nas horas coincidentes o casal de maritacas emitia o som da ausência enquanto tinham o horário comercial todo para suas tardes de sexo tórrido em cujos intervalos roíam a espuma térmica do meu telhado.

Podia não ser correto, mas era justo.

Eu cedi o espaço e a espuma térmica eles cederam minhas noites de silêncio o que, vocês hão de convir, para uma fêmea é um sacrifício muito grande; seja de que espécie for.

As vezes ainda consigo ver o macho me fitando agradecido. Provavelmente teve um dedo dele nesse acordo. Imagino o diálogo:

“Ô Dona Maria! Vê se sossega esse facho. Se você não parar com esse barulho, o cara aí embaixo vai acabar nos expulsando definitivamente daqui. E você sabe que mesmo com o IBAMA, não somos assistidos pelos programas sociais do governo. Portanto, esquece essa história que sua mãe falou de bolsas sociais, moradia gratuita, etc. Essas coisas só acontecem entre os animais racionais e só para aqueles que desmataram os morros e acabaram com parte da fauna para construir suas moradias.”

Mas foram poucas noites.

Nesta madrugada o tec, tec reiniciou.

Tentei segurar a onda, mas não houve jeito. De manhã, vi o casal saindo para seu vôo matinal e nem pensei duas vezes. Munido dos dois elementos de fechamento, avancei destemidamente pelo campo de batalha e finalmente finalizei o plano “A”.

Decididamente a guerra está vencida. Não há único som no rufo e já avistei o casal na empena do prédio.

Ele puto da vida pagando geral pra Dona Maria a perda de tão belo e confortável lar.


A propósito, o significado de Oliváceo segundo o Dicionário Online de Português é: Da cor da azeitona. Resta saber se a preta, a verde ou a cor de vinho.