quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

5º CAPÍTULO - OLHOS NEGROS



Duas meias-luas, uma de mamão outra de melão, dois ovos mexidos com bacon, um suco de goiaba, três torradas de pão integral passadas em geleia de damasco.

Esse foi seu café da manhã. Preparado com esmero. A mesa estava posta com um simples, mas bonito jogo americano trançado em palha do México. Lembrança de sua segunda lua de mel.

A ausência da esposa permitiu o bacon e a geleia.

Estava saboroso, mas pensar nas atividades do dia que se iniciava não o deixavam degustar tais iguarias.

As perguntas começavam a ocupar seus pensamentos:

“Quem? Como? Por quê?”

Sabia apenas onde; pouco para tirar conclusões e não vislumbrava um caminho a seguir nas investigações.

Terminou seu desjejum e olhou para o relógio. 06:30 h, indicavam os ponteiros de seu Ômega de fundo branco, hoje amarelado cujos ponteiros, números, caixa e corrente de ouro reluziam. Era um lindo relógio de bolso. Presente que passava pelas mãos masculinas da família por gerações. Ele não tinha como seguir a tradição.


Era cedo, a ansiedade fora sua companheira na noite e o fizera acordar antes do despertador.

Sem ter o que fazer, iniciou a lavagem da louça, já estava acostumado ele sempre a ajudava nos afazeres do lar. Foram dois pratos, um copo, talheres e a frigideira; além da louça do jantar da noite anterior. Tudo repousava no secador menos o copo que por um raro descuido quebrou-se e agora seus cacos descansavam no lixo, embrulhados em algumas folhas de jornal velho.

O cedo da manhã previa um dia ensolarado, porém frio como o anterior e o tilintar do enfeite da janela mostrava uma brisa ainda gélida.

Boris ergueu as orelhas, levantou sua enorme cabeça negra e saiu em disparada ao ouvir, lá fora, um conhecido som seco. Passou pela abertura da porta como um raio e logo surgiu de volta com o jornal entre os dentes para entrega-lo mansamente nas mãos de seu dono que já aguardava ansioso para ler o que diziam do caso.

A primeira página estava dividida. A metade superior descrevia o longo julgamento que culminou com a condenação do serial killer que tinha tido como advogada de acusação a vítima do brutal assassinato ocorrido ha duas noites; notícia estampada na parte inferior.

O tempo tornou-se curto diante da avidez com que as notícias eram lidas e ele teve que deixar o jornal desarrumado sobre a mesa e fazer apenas um pequeno carinho em Boris, para sair apressado em direção a sua BMW.

Passou a mão carinhosamente sobre o tanque de gasolina e depois deu uma leve batida com a mão espalmada no banco cinza escuro enquanto um leve sorriso escapava devido a imagens de suas viagens quando adolescente, pelas belas estradas do país, recuperadas de suas memórias.

Seguiu a pé pela calçada na direção contrária a da noite anterior.

Os poucos minutos ganhos devido ao excelente trânsito daquela manhã o permitiram admirar as imponentes colunas do térreo, em granito preto, que guarneciam o enorme portão de metal dourado que formavam o conjunto mais significativo daquela fachada.

Autorizado subiu os três andares agora admirando a arquitetura do interior o que não pudera fazer 48 horas antes.

Sentou-se em uma cadeira lateral da recepção e consultou seu ômega, enquanto aguardava autorização para entrar.

Dra. Helena levantou-se sem demonstrar emoção ao vê-lo sob a aduela de madeira maciça trabalhada que guarnecia a porta ora aberta.

Tirou o chapéu:

“Bom dia!”

“Bom dia, tenente! Sente-se. Deseja algo? Café? Água?”

E apertou um botão que havia no canto sobre a mesa.

A porta se abriu novamente enquanto ele respondia:

“Café e água, por favor.”

“O mesmo para mim, por favor.”

“Sim senhora.”

Respondeu suavemente, porém com a voz triste, a copeira que acabara de entrar.

O ar não estava nada agradável, não pela pesada decoração dos corredores e salas, mas sim pelo ocorrido duas noites antes. Mood reparou que as pessoas andavam tristes pelos corredores. Já havia passado por isso antes e sabia que essa atmosfera se traduzia no quanto a vítima era querida.

Ela solicitou um momento antes de começarem. Enquanto ela finalizava alguns afazeres ele correu a sala com seus experientes olhos.

Ao contrário do que ele já havia visto no prédio, aquela sala era diferente. Clara, não só pelas janelas cujas cortinas estavam totalmente abertas quanto pelas paredes brancas com o teto gelo. Os móveis eram de madeira maciça com acabamento escuro. O tapete cinza escuro e a estante, com muitos livros, tinha os montantes na mesma cor dos móveis, porém, com fundo branco. A poltrona em que estava confortavelmente sentado tinha a mesma cor do tapete. Eram duas. Alguns quadros mostravam formas disformes em tons fortes e alegres, dando calor ao ambiente. Sentia-se bem ali. Ele analisava a luminária composta por dois cones vermelhos opostamente direcionados, absorto em seus pensamentos quando ela o interrompeu:

“Então tenente, imagino que vamos falar sobre o falecimento da doutora Speller ...”

Vendo que estava perdendo o domínio da situação ele interrompeu-a:

“Sim doutora Muller. Preciso de algumas informações e gostaria que não ocultasse ou deixasse de falar o que sabe. As vezes o que pensamos não ser relevante na realidade pode ser a peça esclarecedora de uma grande história.”

“Sem problemas tenente, realmente não acho que tenho boas informações para o caso, mas vou atendê-lo da melhor forma possível. Por onde deseja começar?”

“Gostaria de saber quando e como foi a primeira vez que a viu?”

Sem pestanejar ela iniciou seu relato.

“Bom, eu já trabalhava aqui quando ela foi contratada. Confesso que a primeira impressão não foi das melhores. Ela vinha do interior, vestia-se bem, contudo com roupas ultrapassadas. Os cabelos estavam presos, mas via-se que não eram bem tratados. Não que tenha algum preconceito, porém era uma desconhecida para nós e o senhor sabe que experiência e tradição nessa atividade são primordiais. Com o tempo ela foi mostrando seu valor profissional e sua postura perante todos nos conquistou e aos sócios do escritório. Em pouco tempo ela atingiu a posição que tinha quando ocorreu a tragédia.”

Mood estava atento a seus movimentos. Mãos e as vezes braços eram utilizados enquanto falava, entretanto com harmonia e graciosidade. Os olhos moviam-se com certa frequência, mas sempre terminavam nos seus ao final de cada frase.

“Pelo que vi no tribunal, a senhora estava muito bem preparada para o caso do “Serial Killer”. Sua atuação pode ser classificada como perfeita, principalmente a estratégia de se valer quase que exclusivamente das provas técnicas. Poucos as consideram tanto e o fizeram de forma tão brilhante como a senhora.”

Em um segundo ele reparou o que tinha feito. Tímido, havia se rasgado em elogios e sentia-se estranho, pois era profissional a extremo, que não se permitia desviar de sua linha de raciocínio quando arguia alguma testemunha. Ele ainda fitava seus negros olhos quando ela baixou a cabeça com a face rubra:

“Ora! Por favor, tenente! Fiz o que estudei para fazer. Acredite, não foi fácil. Quando nos contrataram para representarmos as famílias das vítimas fui designada a fazer parte da equipe da doutora Joana que seria a Advogada Líder. Eu seria a assistente principal e como o senhor já deve ter sido informado éramos sete.”

Ele a fitava atentamente, buscando detalhes nas entrelinhas de cada frase proferida por ela.

“Não havia como não estar bem informada, participei de todas as etapas do processo, pesquisas, diligenciamentos, investigações e tudo o mais para juntar as provas necessárias à buscar a condenação do Réu.”

Ela havia se refeito dos efeitos do elogio quando a copeira voltou com o solicitado. Também havia biscoitos em um pote sobre a bandeja. Bebeu dois goles de água, mexeu o café cuja fumaça mostrava a alta temperatura e o consumiu também em dois goles. Aguardou três segundos absorvendo o sabor adocicado da bebida para então, continuar seu relato: Antes, segurando um cigarro:

“Importa-se?”

Ele fez que não com a cabeça e ela o acendeu.

“Era seu primeiro caso como líder e a doutora Joana se revelou excelente nesta função. Sabia muito bem detectar o melhor de cada um de nós e se utilizava disso muito bem em prol do bom andamento dos trabalhos. Paciente, ouvia a todos e mesmo quando convicta buscava na equipe uma possível opinião que a fizesse mudar e não se furtava em fazê-lo quando convencida.”

Doutora Helena permanecia tranquila, se mostrava segura, sem a ansiedade tradicional de quem estava sendo sabatinada. Parecia que havia um ar de prazer em seu comportamento.

Ele continuava fazendo suas anotações. Não gostava do café muito quente.

“Joana ... era justa. Não havia distinção ao lidar com as pessoas, principalmente os membros de sua equipe, com quem sempre que podia dividia os elogios. O mesmo fazia quando as coisas não aconteciam como ela desejava, cobrava com firmeza sem perder a suavidade, educação e elegância adquirida com o passar dos anos na cidade grande.”

Os anos vividos na elucidação de casos de diversos tipos não deixaram passar em branco o suspiro proferido por ela ao citar o nome da vítima. Isso foi devidamente registrado em suas anotações. O café, ora morno, começou a ser sorvido em curtos goles. Foram três. Após o quarto e maior deles ele descansou a xicara vazia sobre o pires que a aguardava sobre a mesinha lateral preta. Ambos de porcelana branca com motivos florais em alto relevo e uma listra dourada na borda. Lembrou-o sua esposa, Adelaide.

“Estou vendo que a senhora tinha um apreço especial pela doutora Joana, talvez algo acima do profissional. É possível?”

“Não posso esconder que minha admiração possa ser um pouco acima sim, mas lhe garanto ser apenas por seu desempenho profissional e caráter.”

Desviou o olhar para a janela e prosseguiu:

“A história mostra o que sofremos para chegar onde estamos. Sabemos que muitos homens e mulheres maus ainda sobrevivem em escaramuças diversas. A doutora Speller era um exemplo de correção. Quem sabe não é por aí?”

Ele a fitou por demorados quatro segundos, e perguntou:

“Porque diz isso doutora? É uma afirmação?”

“De certo fez algumas averiguações iniciais e sabes que o crime é a área de atuação que mais me identifico. Foram inúmeros casos desde que me formei. Não é difícil pensar em motivos.”

“Desculpe-me doutora, pode esclarecer, especificamente o que quer dizer?”

“Tenente Mood, não estou querendo atrapalhar seu trabalho, mas...”

“Prossiga. Não se preocupe.”

Ele queria seus pensamentos e não a enrolação.

“A doutora Speller veio do interior e as histórias dizem que, desde os tempos de estagiária, atuou em vários processos que acabaram por condenar muitos dos chamados Coronéis sobreviventes daqueles tempos sombrios. Soube que teve participação ativa nesses casos e que exatamente por isso foi convidada a trabalhar conosco.”

“Pode citar suas fontes?”

“Apenas conversas de corredor. Nunca procurei saber ao certo, não tinha por que fazê-lo. Mas agora, com o acontecido, não é difícil somar A com B.”

Mood tinha um furação em sua cabeça e os olhos negros da doutora Muller sabiam disso.

“Vou pensar no que disse.”

Se recompondo. Sabia que não ia tirar mais nada desse imbróglio agora. Queria deixa-la pensar mais no que disse.

”A senhora poderia me contar se a doutora Joana tinha algum hábito que poderíamos chamar de ... estranho?”

“Tenente, como falei antes, nosso relacionamento era estritamente profissional. Mesmo nos escassos eventos do escritório não tínhamos muito contato.”

“Que tipo de eventos?”

“Comemorações por ter vencido alguma causa importante, como a de ontem, ou conquistado um bom cliente, festas de fim de ano, Natal ou aniversários, essas coisas.”

“Mesmo não tendo contato social, alguma vez viu ou ouviu conversa que possa ter despertado na senhora uma sensação estranha? Algo que pudesse sugerir uma ligação, digamos, diferente ou suspeita?”

“Conheço dessas coisas, afinal nosso forte é a área criminal, entendo o que está dizendo e onde quer chegar, porém, posso afirmar que não havia nada suspeito nas atitudes da doutora. Ela era muito discreta em suas coisas pessoais. Se havia algo, passou despercebido por mim.”

“Conheceu pessoas do relacionamento social ou alguém da família da doutora Joana?”

“Não tenente. Como disse antes nossa relação era apenas profissional.”

“Doutora, uma última pergunta.”

“Sim.”

Ela se ajeitou na cadeira, mais uma vez deixando escapar um leve sorriso.

“Onde a senhora estava na noite em que aconteceu o crime?”

“Não hesitou e como se já esperasse a pergunta, respondeu:

“Tenente, aqueles eram os últimos dias que antecederam o fim do julgamento. Havíamos trabalhado muito na busca de provas e evidências. Tinham sido dias de trabalho intenso organizando as coisas entre as audiências... estas estavam sendo extremamente desgastantes devido a expertise dos advogados de defesa...”

Ele a interrompeu.

“Sim, mas a senhora, a assistente principal, deixou-a só, logo na noite anterior ao último dia do julgamento?”

“Como estava dizendo, tenente, estávamos todos muito cansados, mas eu estava disposta a permanecer junto dela até quando necessário. Não fui a única que insistiu, mas ela nos convenceu para que fossemos para casa. Iria fazer uma última leitura em suas anotações e então dormir no escritório.”

Seus olhos correram em direção a segunda poltrona onde descansava uma valise de viagem, fechada. Desviou os olhos e continuou:

“Não nos restou opção a não ser deixa-la só em seus pensamentos. Fui para casa, tomei um banho, comi alguma coisa e fui dormir.”

“Alguém pode comprovar sua história?”

“Infelizmente não. Moro só e o prédio não tem porteiro noturno. Algum vizinho pode ter escutado minha chegada, porém não posso afirmar. Mas saímos, quase que todos da equipe, juntos, do prédio. O motorista do taxi, talvez, mas como encontra-lo?”

“Vai viajar doutora Muller?”

Olhando para a valise.


“Não tenente, temos o habito de ter uma valise no escritório para alguma emergência. Essa, por exemplo, tem as roupas e acessórios que usei ontem no tribunal.”

E passando a mão no colar de pérolas que ornamentava seu lindo pescoço:

“Estou levando para casa a fim de renovar.”

“Mulheres. Essas lindas mulheres.”

Ele pensou e continuou:

“Ok doutora, agradeço seu tempo e gostaria de poder contatá-la novamente caso necessário. Sei que vocês, advogados, costumam viajar bastante, peço apenas que se for deixar a cidade ou país informe seus contatos, hotel, local da reunião ou outro evento. Essas coisas desimportantes que a senhora já deve saber.”

Sorriu enquanto ouvia a resposta que já esperava.

“Ok tenente! Conheço os trâmites, fique tranquilo que estarei ao alcance. Não há nada programado neste sentido para esses dias. Qualquer mudança na agenda eu mando informar.”

Apertaram as mãos por um segundo além do normal enquanto os negros olhos da doutora Muller cruzavam com os seus.

“Sam! O de sempre.”

Samuel trouxe a costumeira dose de tequila que foi sorvida em um único gole e diluída em seus pensamentos. Estes estavam estranhamente divididos entre as informações colhidas e algo que não entendia direito, portanto, sem sentido.

Reparou que já estava no terceiro “shot” e atribuiu a ele esta sensação estranha, mas agradável.

Após o banho gelado, um sanduiche fez as vezes do jantar. Pão esquentado no forno, manteiga, queijo e salame hamburguês, seu preferido. O suco natural de laranja, sem açúcar, ajudou no sabor completando o “jantar”.

Estava cansado e ainda sob resquícios da tequila. Acarinhou Boris e deitou-se para se perder entre seus pensamentos, sensações e álcool.


2 comentários:

  1. Gerallldo em primeiro lugar quero te desejar um grande inicio de Ano, muita saúde, muito de tudo o q desejares,,pq sei que es equilibrado.;.muitos sorrisos muito amor ...
    quanto ao texto acho que perdi alguma parte, o m isterio do misterio a saga e nada sei,,achei dificil mas nao poderia deixar de passar e aqui registrar minha passagem,,um bjao saudades

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    1. Anônimo (a),

      Agradeço e desejo o mesmo para você, mesmo não sabendo quem.

      Quanto a saga, você está correta(o) é uma saga e você pode ler os primeiros quatro capítulos clicando aí do lado "MENU" em "LIVRO 2" e lê-los.

      Aguarde, outros virão...

      SDS,

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