segunda-feira, 22 de outubro de 2012

3º CAPÍTULO - O CASAMENTO





Dezessete anos, esse era o tempo que estavam juntos.

Conheceram-se no interior. Ele um medíocre estudante de direito. Notas médias eram constantes em seu currículo. Baixo, seu um metro e setenta de altura não permitia que ele jogasse basquete, seu esporte favorito, mas o corpo atlético e suas tiradas bem humoradas o fazia conhecido por todos.

Mas era tímido com as mulheres. As conhecia muito bem. Suas teorias eram comprovadas por seus amigos mais desinibidos e isso o tornava querido entre os rapazes.

Sorrateiramente namorou poucas, mas com elas chegou onde nenhum de seus amigos imaginaria chegar naquela época. Era discreto e elas gostavam disso.

Ela, moça prendada havia sido educada pela mãe para casar. Seu pai era um fazendeiro mal sucedido daqueles que não permitiam liberdades às mulheres.

Passara a infância tolhida pelos desejos do pai e carinhos da mãe superprotetora. Filha única, seu parto complicado foi o que impossibilitou a vinda de novos irmãos. Isso aumentou a pressão que recebia de seu pai que ignorante, culpava-a constantemente.

Era uma viagem de férias. Ele a avistou de relance quando pedia informação em uma mercearia e ela entrou iluminando o recinto com sua beleza.

Loura, Cabelos longos presos em coque cujos fios soltos bailavam ao sabor da brisa sobre seu pescoço. Olhos verdes, um metro e sessenta e seis aproximadamente. Pele clara e a roupa escura e discreta deixava transparecer o belo desenho de seu corpo.

Empinou o peito, ajeitou o topete e com a voz grave cumprimentou:

- Boa tarde.

Ela balançou a cabeça como se respondendo positivamente. Em seguida a baixou em definitivo. O sorriso que ele não viu teria sido suficiente para ele insistir na conversa.

Pegou suas compras e saiu da mesma forma como entrou. Calada.

Durante os dois dias em que esteve na cidade não mais a viu.

Tornou-se conhecido devido a sua bela BMW preta que o levava de cidade a cidade na viagem sem fim. Viveu as delícias da noite da cidade como ninguém. Divertiu-se com outras e partiu.


A solidão da viagem lhe era agradável. Tinha o espírito aventureiro, estar livre sem ter de dar satisfações a terceiros e poder decidir seu destino era como alimento para seu corpo doído pelas estradas esburacadas.

Estava nelas fazia quinze dias e as experiências vividas e sofridas seriam muitas vezes norte para as decisões de sua vida futura.

Mas já não conseguia tirá-la de seus pensamentos. O desejo de tê-la nos braços tornava-se cada vez mais preponderante. Seus pensamentos se confundiam com sonhos e vice versa.

Após se questionar diversas vezes, decidiu voltar. Foram três dias percorrendo caminhos dessa vez conhecidos.

Chegou à tardinha e dirigiu-se a mercearia onde a conhecera. Estava fechada. O prefeito havia decretado luto municipal de três dias devido a morte do juiz da cidade.

Não sabia como fazer para encontrá-la. Era uma cidade pequena, mas mesmo assim não conseguia acha-la em suas andanças.

A busca aumentava seu desejo e tê-la tornara-se questão de honra.

Na segunda noite, no balcão do bar mais movimentado da cidade, esbarrou com o jovem que havia lhe atendido na mercearia.

Se apresentou tomaram vários tragos e fumaram alguns cigarros. Pareciam amigos de longa data, mas eram apenas conhecidos. Porém, tinham interesses e esses interesses os aproximavam.

Lá pelas tantas, perguntou pela garota e seu novo amigo fechou a cara por segundos, antes de contar o motivo.

Falou da família da moça, principalmente do pai que era um senhor que a vida, desprovida de sorte, havia transformado em um mal educado cujo único tesouro era a filha que amaldiçoava pela ausência de um varão.

Calou um curto tempo enquanto confirmava que aquele forasteiro seria a sua salvação. Precisava falar com Adelaide.

E continuou a narrativa das mazelas em que a desejada vivia.

Conseguiu o endereço e após novos tragos e cigarros se despediram com um forte abraço.

Moisés, o balconista, seguiu até a Travessa dos Imigrantes e sorrateiramente, sob uma janela azul escura da casa branca assobiou como coruja.

A janela se abriu vagarosamente mostrando uma linda moça que o ajudou a subir.

A manhã se aproximava. O sol se mostrava tímido entre as espessas nuvens. Os galos anunciavam as cinco horas e os agricultores e pecuaristas iniciavam suas tarefas como todas as manhãs.

Os campos estavam mais verdes pela humidade da noite. O rio que corta a cidade estava reluzente, mesmo com a timidez do sol.

A cidadezinha começava seu dia entrando no seu tradicional ritmo lento, mas constante. Ao som das rodas das carroças, cascos dos cavalos e mulas.


O viajante despertou de mais um de seus sonhos, dessa vez, vivido sob lençóis de algodão macios e cheirosos da pensão onde estava hospedado. Vestiu uma roupa simples e desceu para o desjejum.

Sentou-se à mesa mais próxima da janela por onde poucos e fracos raios de sol tentavam aquecer o ambiente. Saboreou os pães, frios e suco feito de laranjas frescas. Após bebeu um café puro, sem açúcar.

Voltou para o quarto, apoiou-se no parapeito da janela, acendeu um cigarro e lá ficou apreciando a vista da parte baixa da cidade.

Foram aproximadamente vinte e cinco minutos em devaneios. Apagou o pouco que restava do cigarro e voltou-se para dentro.

Fez a barba, escovou os dentes e banhou-se tranquilamente com água morna. Secou-se e vestiu sua melhor roupa. Perfumou-se.

Cumprimentou o atendente ao passar pela pequena recepção. Este devolveu o sorriso com simpatia da boca com poucos dentes de onde pendia um toco de cigarro de palha.

Passou pela mercearia, comprou uma caixa de charutos e o que mais se parecia com um buquê de flores, montou em sua reluzente moto e partiu.

Descobriu o motivo da dificuldade em encontra-la ao sair dos limites da cidade, mas não muito. Demorou em encontrar a Travessa dos Imigrante.

Ficou na esquina, em uma posição que poderia ver a casa de número 37 sem ser visto. Era uma casa humilde, mas bastante sólida. Estava com a pintura gasta devido as intempéries, porém percebia-se o zelo em sua conservação.

Atrás das janelas azuis tremulavam ao sabor da brisa branquíssimas cortinas de renda. Um vaso de flores descansava sobre o peitoril de cada uma das quatro janelas.


A cerca de madeira crua dava limite ao terreno assim como às galinhas que incansáveis, ciscavam o chão de terra batida enquanto tomavam conta de seus curiosos pintinhos.

A sombra de uma frondosa mangueira impedia ver muito além. Um forte e bonito vira-latas preto descansava na soleira da porta entreaberta.

Ele se aproximou a pé, havia deixado a moto distante para não incomodar com o barulho e bateu palmas assim que chegou em frente a porta.

O cachorro ergueu-se, latiu três vezes e se manteve ereto em posição de alerta.

Uma senhora de cabelos grisalhos apareceu:

- Dia!

- Bom dia minha senhora! Tudo Bem!

- Tudo. Algum problema?

O cachorro voltou a descansar.

- Não, está tudo bem. Estou procurando uma senhorita de longos cabelos louros, olhos verdes. A senhora a conhece?

- Ora seu moço, com essa descrição parece ser minha filha. O que o senhor deseja com ela.

Nesse exato momento chega o pai da moça. Ainda suando, a roupa desarrumada e suja de terra mostrava que acabara de voltar da lida. Desconfiado passa a frente da senhora e acendendo um cigarro de palha pergunta:

- O que está acontecendo aqui? Quem é esse que você está dando trela?

A mulher baixou a cabeça e sem emitir som entrou.

O viajante já esperava por isso e mantendo-se tranquilo, apesar de estar sendo encarado pelo dono da casa, ofereceu a caixa de charutos e prosseguiu:

- Não se preocupe meu senhor! Meu nome é Eduard Mood, sou estudante de Direito. Estou de férias na faculdade em viagem pelo interior do país. Na semana passada estive na cidade e quando pedia informações na mercearia uma linda donzela apareceu. Assim que bati os olhos nela, vi que era uma dama muito bem criada, em uma família, que assim como eu, respeita as tradições transmitidas pelas gerações. Ao cumprimenta-la, como era esperado, ela baixou a cabeça e saiu sem emitir som. Encantei-me profundamente, mas não a vi mais. Depois de alguns dias viajando resolvi voltar em busca de tão encantadora senhorita, que não saia de meus pensamentos. Mas mesmo fazendo buscas insanas pela cidade só consegui saber onde encontra-la ontem e a noite tornou-se muito longa, na espera do momento de conhecê-la.

O velho abrira a caixa e cheirava um dos charutos após verificar ser o de sua marca favorita ausente há anos de sua convivência devido a escassez de dinheiro para compra-los. Ele sorriu:

- Francisco Neves.

Mood respondeu com um discreto sorriso agradecendo mentalmente à Moisés pela dica.

- O que o senhor pretende se permitir que conheça minha filha?

- Senhor Francisco, o que poderia ser? Desejo cortejá-la com as melhores das intenções e se tudo der certo e se o senhor permitir, me casar e constituir uma grande e feliz família.

Francisco pensou um pouco.

- Pois bem, o senhor me parece um bom rapaz. Eu vou pensar. Volte à tardinha para conversarmos e dependendo da prosa veremos se deixo conhece-la.

Mood estava feliz, porém havia reparado que, pela maneira como falava, o senhor Francisco não era nenhum bicho do mato. Mas isso não seria problema, ele gostava de ler e viajara por muitos lugares pelo mundo; conversar com Francisco não seria problema.

A tarde se esvaia com a chegada da noite, mas ainda era possível ver as aves se dirigindo para seus ninhos assim como os homens caminhavam para suas casas após mais um dia de labuta.

Estava tenso quando foi muito bem recebido por Francisco que de banho tomado e roupas limpas parecia bem mais afável.

Ele ofereceu um dos charutos rapidamente aceito. Acenderam quase ao mesmo tempo e cada um soltou sua baforada inundando a sala com odor forte de fumo cubano.

A velha e ainda cabisbaixa mulher trouxe uma bandeja de madeira carcomida coberta por um branco pano de bordas rendadas sobre o qual descansavam duas canecas de café fervendo e uma tigela de torradas amanteigadas feitas por ela.

Cada um pegou uma caneca e iniciaram a conversa.

Foram exatos noventa e cinco minutos de prosa após a qual os dois já se sentiam amigos. Contudo, com restrições.

Francisco então se sentiu satisfeito e apresentou sua filha.

Ela estava radiante e seus olhos assim como dentes brilhavam internamente. Seu pai não precisava saber o quanto estava feliz.

Em apenas três meses eles se conheceram, se entenderam, se apaixonaram e se entregaram ao amor pela primeira e única vez antes do casamento que se realizou de forma simples e rápida devido a discreta diferença que se notava na cintura da então donzela.

Moisés estava radiante como padrinho e grande amigo dos noivos, mas por dentro havia uma ponta de tristeza, sabia que nunca iria conviver com seu primeiro filho.

Foram dez anos de amor, respeito e carinho; mesmo com a perda de seu filho que, como o parto dela, não permitiu outros.

Mas fazia sete anos que ele não estava mais gostando daquela vida.

Sua esposa tornara-se ciumenta e autoritária. A convivência não era mais a mesma devido a desconfiança que ora norteava sua relação.

Diferente dos dez primeiros anos, quando a alegria era presente e a felicidade era hóspede constante em seu lar, agora ele tinha que dar satisfações desnecessárias, pois passava quase que todo o tempo trabalhando em prol do sustento do lar e caprichos da mulher.

Isso a incomodava porque começara a achar que ele tinha outra, quando na realidade ele sempre fora fiel.

Essa desconfiança foi o elemento principal a minar tão segura e bela relação.

As investigações do assassinato mal haviam começado, mas ele estava exausto caminhava tranquilamente. Não estava com pressa de chegar em casa.

A chave girou e o som de quatro patas já eram ouvidas. Com a porta aberta ele se agachou na expectativa do impacto. Boris vinha correndo com a boca aberta, a imensa língua pendurada, o rabo sacudindo como nunca e se jogou sobre Mood mostrando sua saudade e amor incondicional.

Um carinhoso Stafordshire Bull Terrier, preto com as quatro patas brancas. No peito uma mancha também branca padrão da raça. Forte, saudável e extremamente educado resultado da excelente criação. Muito brincalhão com os humanos, principalmente com as crianças. Um excelente cão querido por todos que o conheciam.

Foram longos segundos de afagos, lambidas, arranhões, mordiscadas até que ao se levantar e com Boris ainda em seus calcanhares ele viu o bilhete em cima da mesa de jantar.

Seu sorriso se mostrava a cada palavra lida:

“Querido, Vou até a casa de meus pais e estarei de volta em três dias. Adiantei suas refeições que estão no lugar de sempre; é só colocar no fogão  para aquecer. Saudades e com amor, Adelaide.”

Ainda sorrindo pensou:

- Quem lê pensa que está tudo bem.

Seriam três dias de tranquilidade.

A comida estava deliciosa, ele nunca questionaria a capacidade de Adelaide administrar uma casa, muito menos a qualidade e sabor de sua comida. Ela realmente seria uma mulher perfeita se não fossem seus devaneios.

Com Boris ao pé da cama, Mood adormeceu ao som do rádio que tocava baixinho.


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