Éramos três, chegados em momentos distintos. Papo rolando meio lento devido ao cedo da hora.
Frutas doces da estação: mamão, melão e uma banana.
Em substituição aos ovos mexidos com pães de queijo de outros dias; dois mini e simpáticos franceses, recheados com manteiga e queijo prato, amarelo meio escuro, derretido pelo calor da chapa.
Acompanhava suco de laranja industrial safado.
O movimento no salão de refeições do hotel começava a ficar intenso. A maioria se alimentando para enfrentar a manhã de trabalho.
Lá fora o sol se fazia presente. Ainda sonolento e tímido deixava-nos em dúvida de qual seria seu comportamento durante o dia.
Mas com certeza a temperatura seria amena, o inverno se aproximava.
Colegas de trabalho formamos um trio, as vezes quarteto outras quinteto, dependendo da agenda do Projeto e do lazer. Com relativas afinidades dentro de nossas diferenças.
Somos pais de família, que trabalham em uma cidade distante de onde se encontram nossas famílias e vidas. Bem humorados, oriundos de estados diferentes, conservamos o que a globalização permite de nossas culturas e histórias.
Cada qual a sua maneira enfrenta as dificuldades dessa empreitada de maneira distinta. Não é raro estarmos rindo de alguma dificuldade ou história vivida neste ou em outro Projeto anterior.
O garçom se aproximou trazendo em um prato de sobremesa uma lindíssima manga descascada a pedido de um de meus colegas.
Recusei a primeira oferta, mas não a segunda e com seu sabor não resisti as lembranças da infância e sobre ela reiniciamos a conversa.
Lembramos de como nossas cidades há muito urbanizadas pelas diversas avenidas, prédios e pelas amendoeiras sem graça ou pelas ruas esburacadas e sujas; eram repletas de árvores frutíferas.
Na minha, mangueiras eram encontradas em quase todos os lugares. Ruas, jardins e quintais. Quintais que não existem mais, foram substituídos por prédios enormes em condomínios ou não cercados de grades de relativa proteção.
Levantamos e seguimos para o taxi rumo a mais um dia de labuta, mas minhas memórias continuaram a me acompanhar.
Quintais que invadíamos acompanhados da inocência da infância a fim de furtar poucas, tenras e suculentas mangas, que comíamos sem cerimônia, sentados no meio fio da rua sem saída, onde morávamos.
Esse era nosso mundo. Uma rua sem saída, localizada no bairro de Botafogo no Rio de janeiro. Cercada por cinco prédios, dois com oito andares e três com quatro que proviam a rua de crianças e jovens.
Éramos muitos, os pequenos (até os 10 anos), os médios (17) e os grandes (acima). Eu fazia parte do primeiro grupo e de nosso mundo muito raramente saíamos. Ele nos bastava.
Para cada uma delas havia um detalhe específico. O futebol era jogado na rua e nas calçadas. Os gols eram de sandálias Havaianas (sim já existiam. Certa época eram usadas com a sola virada para cima) e não nos importava o desnível do meio fio. Muitas foram as cabeças de dedões de pé e unhas do mesmo dedo que se perderam nesse “campo”!
Os carros eram poucos na época e respeitando a uma negociação que nunca houve não eram estacionados no “campo de jogo”. Aos domingos os jogos eram no campo do Quartel da PM, vizinho.
As bicicletas percorriam um circuito formado apenas pelas calçadas.
As três búlicas (buracos) do jogo de bolas de gude eram feitas em um terreiro sob a vasta copa de uma árvore que subíamos de vez em quando. No mesmo lugar eram fincadas as varetas ou rodados os peões.
Carniça não necessitava nada de especial, mas o garrafão, como a amarelinha das meninas, precisava ser desenhado na calçada com cacos de tijolo ou gesso.
Carniça não necessitava nada de especial, mas o garrafão, como a amarelinha das meninas, precisava ser desenhado na calçada com cacos de tijolo ou gesso.
Nos espalhávamos por toda rua e calçadas quando brincávamos de pique. Para as bandeiras eram utilizadas Espadas de São Jorge retiradas dos jardins escondido dos porteiros que ficavam possessos quando nos viam em ação.
A Rua, era assim que a chamávamos, “A Rua”, tinha em suas laterais, logo na entrada, jardins periféricos. Eram como selva para nós onde, tal qual desbravadores, caçávamos grilos, gafanhotos, centopeias e outros insetos para fins diversos.
Para nossas “guerras” usávamos zarabatanas de tubo de antena de TV cuja munição era feita, a cada tiro, de finos cones de papel. Doía muito.
Ali, duas áreas de estacionamento, utilizadas por carros e dois caminhões de mudanças.
Antigos com carroceria de madeira cobertas com lona, traziam em seu interior grandes latões de papelão cheios de panos velhos sob os quais nos escondíamos quando brincávamos de pique esconde. Mais panos velhos eram pendurados na estrutura de cobertura das caçambas. Esse era o motivo de os chamarmos “Caminhão da Múmia”, mesmo sendo dois.
Portarias, escadas, jardins e outros esconderijos eram utilizados nesta brincadeira.
Acordávamos cedo, íamos para a escola, à pé (ainda era seguro), na volta almoço e dever de casa. Só após às 15 horas tínhamos autorização para descer e usufruir de nosso pequeno, mas suficiente mundo.
Em poucas brincadeiras a noite chegava.
Subíamos, um banho, jantar com a família reunida em torno da mesa para só então dormirmos felizes sonhando com o eclético dia passado.
Nos fins de semana praia ou mais um dia de brincadeiras.
Poderia ficar aqui horas, quem sabe dias relembrando jogos, brincadeiras e travessuras, mas vou deixar vocês imaginarem ou recordarem cada qual da sua infância.
Não havia computadores, academias de ginástica, vídeo games, celulares entre outras coisas “necessárias” hoje em dia. Algumas delas que usufruo com satisfação, mas com as quais a juventude de hoje se vicia fazendo de seus corpos meros coadjuvantes.
Éramos felizes e tínhamos saúde.
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